terça-feira, 11 de maio de 2010

Uma Investigação Criminal

Estávamos trocando luvas, na aula de Box com o prof. Joaquim, no
Parque da Mooca, o Rudolph e eu.
Gostava me enfrentar com ele pois pesava o meu peso, 70 kilos e tinha
a minha estatura.
Éramos dois meio-ligeiros com o nosso peso, diferente do meio-medio-
leve quando ganhei os campeonatos pela ACM em 1959 e 1960 pesando 64
kilos. Eram outros tempos.
Só sobraram as fotos dos jornais, medalhas e diplomas.

Chamava ele de Rú, amigavelmente, eu tinha muita mais experiência e o
Joaquim me pedia para não abusar por causa disso.
Ele era corpulento e jovem, eu mais matuto, punho fino próprio de
“batedor” aguardava a hora certa de aplicar os meus golpes,
aproveitando um descuido para lograr um knock-out.
Muito rápido de pernas por causa do constante treino de pular corda.
Também o treino de puching-bal e saco de areia me deixava muito
experto.


Claro que em round de 2 minutos com um de descanso, protetor bucal e
de cabeça era difícil finalizar de uma forma definitiva, ficávamos só
no ensaio com as pesadas luvas de 11 onzas de amador e não de 8 mais
leves como as profissionais.


Era nos primeiros dias de março de 2008, um calor abafado nos lembrava
que ainda estávamos no verão.
O Rú já era o meu amigo, batíamos nossas luvas no começo do combate
num cumprimento amistoso, a partir disso, era cada um por si, que
vença o melhor.
Porrada para tudo lado, mas é um esporte de muita cabeça, aproveitar a
fraqueza do oponente, ou bater insistentemente nalgum lugar dolorido
para minar a sua resistência.
Aproveitar o contra-golpe, ou seja bater após a batida dele,
aproveitando um descuido na guarda e tentar causar o maior dano
possível.
Ao contrario do que muitos pensam, as feridas são superficiais e saram
logo, mesmo que nos deixem com uma aparência horrível.
O segredo é estar preparado, bem treinado e não fugir da luta.
Se apanharmos muito, o caso é ficar dançando em volta, fugir dos
golpes, da direita se for destro e da esquerda se for canhoto, girando
no sentido contrário ao maior golpe.
Entrar rápido e sair depressa da linha de alcance dos braços dele,
fazer o balanço, travar a luta assegurando os braços, em fim tem
muitos recursos técnicos permitidos. Tentar não perder pontos, ocupar
o centro do quadrilátero o maior tempo possível, ser agressivos no
máximo possível e evitar o golpe mortal no queijo, ele derruba e dorme
nós por alguns segundos.


Bem já dei aulas para principiantes anos atrás, é simplesmente
apaixonante para quem gosta.
Aquela tarde, o Rú me pediu um favor, de ir até a casa dele para
conversar com a mãe dele, um caso particular.
Falei que tudo bem e lá fomos nos conversar com a dona Silvia.
Ela me recebeu muito bem, disse que já sabia de mim por conta do Rú e
perguntou se era verdade que eu estava formado como detetive
particular.
Falei que sim, que me formei em 12 de novembro de 1984 pela Academia
Brasileira de Ensino Técnico na Av. São João.
O diploma está na janela de minha sala.
Então ela me contou o caso de que sua filha, a Margarida, uns dois
dias atrás tinha falecido de causas aparentemente naturais, de um
infarto do miocárdio.
Falei que já estava sabendo do caso pelo Rú, que lamentava muito e dei
as minhas condolências.
Ela me disse estar desesperada, pois a filha de 46 anos nunca tinha
sofrido do coração e desconfiava que alguém tinha feito mal para ela.
Inesperadamente me pediu para fazer uma investigação paralela.
Por causa da amizade existente eu disse que poderia cuidar do caso,
não cobrar o preço normal de uma diária, que nesses casos é bem
elevada.
E sim cobrar somente as despeças mediante apresentação dos recibos dos
meus gastos.
Ficou assim combinado, peguei todas as informações possíveis e tracei
o meu roteiro de trabalho, independente do que a polícia possa ter
descoberto ou informado.
O detetive particular não tem nenhuma relação com a polícia, somente
deve respostas ao contratante, apresentar todos os relatórios
possíveis do caso, só isso.
Nunca deve entregar o nome do seu contratante nem sob tortura.


Eu me vali de um documento falso, de “Inspetor Gabriel” muito útil
para adiantar alguns lances da investigação.
Com ele fui no necrotério e pedi autorização para examinar o cadáver,
pois precisaria fazer um novo laudo necroscópico.
Seria sepultada no dia seguinte, ai precisaria de solicitar um pedido
de exumação.
Então fui com o meu vidro de aumento, uma super lupa para examinar
algum vestígio.
Encontrei algumas provas que não tinham sido declaradas na necropsia.
Perto dos pulsos encontrei uma zona levemente colorida, quase
imperceptível.
Constatei que os pequenos pelos que cobrem os braços, estavam faltando
nesses dois pontos, nos pulsos.
Parecia uma depilação, estava muito claro.
Após mais exames superficiais, fechei a gaveta e agradeci a
amabilidade em nome do Inspetor Gabriel.


Primeiramente tracei o meu plano de trabalho, considerando esses
detalhes.
A primeira coisa é desconfiar do todos os seres relacionados ao caso,
inclusive o contratante. Vizinhos, conhecidos, parentes todos entram
na lista.
Depois serão eliminados um a um até sobrar o culpado.
Esta é a linha de raciocino.
A intuição é uma boa linha de investigação e devemos acompanha-la.
Existem as provas materiais e as provas circunstanciais.
As materiais já as colhi no necrotério agora as circunstancias eu
teria que correr atrás.
Uma declaração falsa ou errada, é uma prova circunstancial.


O meu instinto de lobo solitário a procura do cheiro de sangue me
levava a crer que existiam grandes possibilidades de que o Jhonatan, o
marido tinha muito a ver no caso.
Comecei a investigar no banco dele, mediante a minha carteira falsa e
um charme encima da gerente, o saldo de sua conta corrente.
Descobri que ele tinha recebido uma grande herança da Alemanha, dos
seus pais falecidos.
E que ele ainda estava casado em comunhão de bens, mesmo que com
separação de corpos, no ato do falecimento de sua mulher.
A esposa morta de causas naturais, ou assassinada de acordo à mãe,
morava nos Jardins e lá me dirigi para colher provas.
A Nívia, empregada doméstica, estava lá até ser desmontada as mobílias
e encaminhadas para a casa da mãe.
Falei: -Nívia, vc estava em casa no dia do “acidente”?
-Não, ela afirmou, eu tive um alarme falso, me ligaram de casa lá no
Capão Redondo, que a minha mãe estava muito grave e fui visitá-la.
Era uma brincadeira, não tinha problema nenhum com a minha família.
Aproveitei e dormi por lá que é bastante longe.


Ai fui unindo os fatos, empregada ausente, mulher sozinha que morre
sem auxilio de ninguém.
De repente vi um tremendo cachorrão, uma verdadeira fera que não
parava de latir.
Ai perguntei como que apareceu esse animalão em casa.
Ela me disse que um ano atrás o dono, que já não morava mais por lá, o
Sr. Jhonatan tinha dado a ela e ela deu para a patroa.
Ahhhhhh sim, eu entendi.
Fiquei brincando por duas horas, dando bolachinhas, até que fiz uma
amizade com ele.
Depois disso, quando já estava manso comigo, levei-o até a Santa
Cecília, na casa do Sr. Jhonatan, esse alemão radicado em Brasil há
muitos anos atrás.
Teste confirmado, o cachorrão, um tremendo pit-bull mexeu
amigavelmente o rabo na presença dele, nada de sentir-se estranho.
Fui unindo os pontos e perguntei à empregada se ele teve acesso à
residência nos últimos tempos.
Ai ela lembrou que um tempo atrás ele pediu a chave para retirar umas
roupas dele, quando ela estava de saída para fazer compras e a patroa
não estava em casa.
E prometeu devolve-la de imediato.
Bem, o meu instinto me dizia que ele possuía chaves falsas para entrar
no prédio, amizade com o cachorro, só faltava saber como que ele deu o
bote.
Nas declarações policias constava que ele tinha viajado para
Petrópolis na véspera do “acidente” em 28 de fevereiro e voltado em 1°
de março, quando foi descoberto o corpo já sem vida de Margarida.
Nos meus cálculos, ele não poderia ter viajado no dia 28 para
Petrópolis, a 463 kmts de S.Paulo e no outro dia, no dia do
falecimento ele ter viajado até S.Paulo e voltado lá na pensão.


Para tirar as dúvidas fiz o percurso que ele percorreu, fui até o Rio,
Rodovia Presidente Dutra, Linha Vermelha, BR-040 na Rodovia Washington
Luiz.
Encontrei o local declarado nos autos, uma pequena pensão.
Fui investigar, fazer perguntas e me indicaram que ele deu entrada no
dia 28 de fevereiro e saiu o 1° de março. Aparentemente ficou lá no
local.
Um álibi perfeito se não fosse que o quarto dele tinha no térreo uma
janela direto pra rua.
Fiz o percurso de volta imaginando quantos kilômetros andaria com seu
Fiat Uno antes de carregar gasolina.
Chegando a um posto bem antes de vencer os 300 kmts, de autonomia dum
carro desses, falei com o encarregado, que eu era investigador e
precisava das fitas de segurança filmadas nessa data.
Procurei e não achei nada. Fui de imediato a um posto posterior e fiz
o mesmo procedimento, ai encontrei o que eu queria, o carro dele
carregando gasolina, ele o Jhonatan desceu para conferir os pneus.
Estava tudo claro então, o que ele estava fazendo no dia, pasmem, no
dia 29 de Fevereiro sim, esse ano de 2008 tinha sido bissexto, ou seja
tinha mais um dia para ele fazer a viajem e voltar à pensão à noite
sem ser notado, entrando pela janela, que eu não tinha percebido.
Ai reuni os fatos, fiz o relatório e entreguei tudo para dona Silvia,
Dentro das minhas suspeitas estava o seguinte:
O Jhonatan, planejou tudo meticulosamente, detalhe por detalhe,
pensando que nunca seria investigado a fundo.
Só que ele não poderia escapar deste farejador incansável e
detalhista.


Conclui no meu relatório que ele saiu de madrugada da pensão, viajou
até S.Paulo, entrou com chaves apropriadas, sem perigo do cachorro que
era seu amigo, amarrou a Dona Margarida na cama com fitas adesivas nos
braços, a obrigou a beber água com quantidades excessivas de sal, o
que provocou a arritmia, com posterior taquicardia, e falência do
músculo cardíaco junto com o infarto do miocárdio.
Neste tipo de óbito não é possível detectar traços de sal no
organismo.
Ele o marido sabia disso.
O que ele não sabia é que eu iria investigar e também sabia disso.


Tudo se relacionava, a saída dele de madrugada sem declarar a polícia
ou na pensão.
A morte de Margarida sem causas aparentes a não ser os punhos
“depilados”
A possível cópia das chaves que ele deveria possuir.
A amizade com o cachorro que não parou de lamber a sua mão.
A saída eventual da empregada sem causa aparente e sim num trote.
A fita gravada aparecendo ele no posto de gasolina, sem ter declarado
que abandonou a pensão na cidade no dia 29/02


Sei que a minha missão acabou ai, daí pra frente caberia a dona Silvia
continuar com as investigações, e que graças às provas por mim
colhidas, desta vez poderia botar as mãos neste marido criminoso e
desumano, que matou para não ter que passar a metade da herança para
esposa legitimamente cassada.
Ninguém sabe se ele teria obrigação de passar para ela, só que o medo
disso o motivou a matar.
Erro seu.
E sucesso para a justiça, fiquei sabendo tempo depois que ele teria
sido condenado pelo crime.
Não me interessei em detalhes, a minha missão já tinha acabado na
entrega dos documentos e relatórios.
Não podemos nos envolver demais nem sentimentalmente, que nem os
médicos.
E ai partimos pra outra, com a certeza do dever cumprido.


Enrique Andres

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Alguns me acham diferente, tal vez porque não frequento igrejas, me comunico direto com Deus. Outros afirmam que tenho muita beleza, interna claro. Baixo colesterol, alta testosterona, pressão normal, coração a mil, sempre pronto para amar, dosse altas de carinho, uma alma receptiva e nobres sentimentos.Que beleza!!! E vocês ainda querem que eu seja bonito? Mas que covardia. Sou pelo menos "interessante" Como broche de ouro, a minha mania de fazer amigos, com pessoas simples, assim como você e outros tantos que alimetam os meus sonhos, o meu ego, compartilham os meus momentos, me fazem rir e até chorar. E nesta troca de sentimentos desfrutamos juntos as nossas emoções que é o alimento de nossa vida espiritual. Agradeço a sua visita, a sua companhia. Leiame e por favor......me ensine algo, enriqueza a minha vida, adoro muito aprender. Bem vindos aqueles que sabem conjugar em todos os tempos o verbo "AMAR"

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