quarta-feira, 12 de maio de 2010

A Entrevista

Dias atrás, no cumprimento do meu dever, tive que visitar a loja Daslu, para recolher uma encomenda.
Encostei a moto no local de carga e descarga, aos fundos da loja, com quatro guardas munidos de radio-receptor.
Aguardei 30 minutos a chegada de uma madame, e nada.
Pedi ao guarda ligar para ela, porque nós, simples mortais, a serviço em duas rodas não temos o direito de ir falar pessoalmente com os donos das lojas.
Ai ela respondeu para esperar cinco minutos, que já vinha.
Passaram mais 40 minutos e nada.
Enquanto isso, assistia belos carros importados, Mercedes Benz que nunca tinha visto antes.
E também belas moças, uma mais bonita que outra.
Comentei com um guardinha que se mostrou simpático, -Belos carros heim?
Ele respondeu, -Isso não é nada, não esqueça que vc está na portaria dos funcionários, tudo que passa por aqui são empregados.
-Nossa!!! Exclamei, e como são então os carros dos clientes?
Ele respondeu: -Muito melhores!!!
Também reparei que entre tantas moças bonitas, todas funcionárias, não tinha nenhuma de cor, nada de mulatas nem negrinhas.
Já imaginava que isto seria assim, e de uma forma bem descarada.
Restos da escravatura que ainda vivem latentes em nosso Brasil.
Os brancos da Hight Society que não aceitam serem atendidos por negros, ainda seus escravos, no inconsciente de muitos.
A escravatura foi abolida no papel, mas não de fato.
Ainda permanece viva na consciência de muitos seres, principalmente daqueles que nadam na opulência, e seus ancestrais mantinham uma grande população de escravos.
Tem tradições que se transmitem nos genes, se herdam.
A escravidão está latente ainda na cabeça de muitos seres humanos, e o pior, que se orgulham disso.
Uma lei não foi suficiente para apagar os traços daninhos que se acumularam por séculos na alma e no coração de muitos.
Não me senti chateado nem inferior pelo que vi, se essa era a intenção dos organizadores desta parafernália toda, no fim sou um trabalhador, de origem humilde, “sem parentes importantes no exterior”
Até trabalhei na fera para comprar o meu pão, acordei de madrugada para vender balas no trem.
Depois de mais de uma hora e tanto, avisei a firma que estava indo embora, que a dona não se prontificou em me atender.
Com certeza que quando avisaram a ela via radio que o motoboy a estava esperando, não se dignou em me dar atenção.
Era como se um cachorro estivesse passando.

Só que antes de me marchar, perguntei pro carinha legal, o guardinha, se tinham algum departamento que contratava motoboy, porque para ganhar dinheiro, é melhor trabalhar para um rico do que para dez pobres.
A experiência já me ensinou isto, mesmo sendo um fato lamentável.

Ele disse-me que existia um departamento que administra as cinqüenta lojas existentes e os mais de mil funcionários.
É uma agência interna, contratada, com toda aparência de estrangeira.
Eu fui lá, me apresentei e marquei uma entrevista para daqui uns dias.
No dia marcado me apresentei.
Uma branquela com ares de dona do mundo me atendeu e perguntou:
-Vaga para motoboy o Sr. procura?
-Sim madame isso mesmo.
-Vou-lhe por em contato com o nosso diretor de RH, o Sr Hermannn, e desde já lhe antecipo que não são convenientes palavras de baixo calão nem linguajar chulo, ele não aceita.
Ela pensou rápido, com esta minha profissão, que outra coisa se poderia esperar?
Está muito mal conceituada esta minha raça, nunca ela imaginaria que eu escrevo no Boteco do balaio e me relaciono com pessoas pra lá de cultas e inteligentes.

-Bom dia Sr. Hermann, prazer em conhece-lo!!
-Pode sentar, replicou sem olhar para o meu rosto.
Vamos preencher esta ficha, já tenho alguns dos seus dados aqui comigo, deixa ver, só faltam alguns detalhes que a secretaria não completou.
O seu grau de instrução?
-Pra lá de bom senhor.
-Formado no exterior?
-Não senhor, no interior mesmo, na faculdade da vida.
-Vamos ver outros detalhes.........sexo...........
-Uma vez por semana senhor.
-Não, não me referia a esse motivo.
Falando nisso, este questionário é extremamente sigiloso, fique tranqüilo.
Então como definiria o seu comportamento sexual, hetero, bi, metrosexual, ou algum outro?
-Nessa vou de metro senhor!!
O cara que parecia alimentado a milk shake aplicado direto na veia, me olhou com olhar arregalado de espanto, com essa sua cara branca que nem bum bum de alemão.
O seu semblante anglo-saxônico estava cada vez mais exasperante.
-A sua religião?
-Não tenho ainda.
-Não faz mal, eu também não.
-É o que imaginei.
-Algum parente de cor, homossexual, alguém já foi preso em sua família?
Então explodi, essa pergunta era a gota que faltava para derramar o meu copo e destilar o meu veneno.
-O que é que é isso? Uma brincadeira? Cadê as câmeras filmando, estão à minha frente ou nas minhas costas?
Ai entendi, mais um tatu querendo me levar para o buraco.
Nesse preciso instante afundaram as minhas esperanças de me dar bem com o sujeito e com a firma.
-Isso é relevante Sr. Hermann? Sim, eu sou branco mas, tenho o coração de um preto.
-Como assim Sr. Enrique?
-Porque eu clamo pela liberdade, ou seja, a falta dela.
Ele disse: -O Sr. deveria entender que existem questões que são fundamentais em nossa organização!
-O que é fundamental?
Fundamental é o amor aos seus semelhantes, ajudar ao próximo, a convivência sem ódio nem preconceito.
Reclamo sim de vocês todos, que com o dinheiro que tem, não conseguiram derrubar os muros da hipocrisia, da intolerância.
O senhor, com seu sotaque que parece mais o braço direito de Hitler, uns dos que escaparam da punição, quer me ensinar o que é “socialmente” aceito nesta sua firma?
O meu desejo agora é de fazer cocô bem aqui no meio desta sala.
Só não faço porque não estou com vontade.
E pode marcar ai no seu relatório, tenho quatorze cachorros PRETOS.
Tenho vários amigos da mesma cor.
E o Sr. também tem algo preto, a menos que o tenha pintado de branco.

-Sr. Enrique a nossa conversa está finalizada, pode-se retirar!!!
-Engano seu, a nossa conversa acabou desde o primeiro instante, quando entrei por esta porta e lhe vi.

E pode aguardar mister Hermann que vou lhe trazer uma placa de presente para pendurar em sua porta de entrada:
WHITE, WHITE & WHITE – THE BIG FDP.

Nesse mesmo instante tirei o meu blusão e mostrei a frente da minha camiseta, escrito assim:
TEM UM CORNO ME OLHANDO!!
Quando virei de costas, não antes de reparar no olhar fulminante de ódio dele, podia –se ler: E AINDA CONTINUA ME OLHANDO!!

Uma forte batida de porta encerrou a nossa entrevista e a minha intenção de querer trabalhar com gente fina e sem alma.
Quem planta ventos, recolhe tempestades!!!

PRÓ INFERNO O ÓDIO RACIAL E O PRECONCEITO!!!

Por coincidência mesmo, quando sai, a secretaria me disse:
-Eu ouvi toda essa conversa, e gravei tudo, hehehe.

No terceiro dia recebi um e-mail:
Caro Sr. Enrique, solicitamos gentilmente a sua presença para tratarmos assunto do seu interesse.
Assinado, Sr. Nicholas Jackson, Gerente de RH

Bem, parece que o Sr. Hermann se deu mal, dançou miudinho, sem música mesmo.

Vocês foram ao encontro?

Nem eu.

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Alguns me acham diferente, tal vez porque não frequento igrejas, me comunico direto com Deus. Outros afirmam que tenho muita beleza, interna claro. Baixo colesterol, alta testosterona, pressão normal, coração a mil, sempre pronto para amar, dosse altas de carinho, uma alma receptiva e nobres sentimentos.Que beleza!!! E vocês ainda querem que eu seja bonito? Mas que covardia. Sou pelo menos "interessante" Como broche de ouro, a minha mania de fazer amigos, com pessoas simples, assim como você e outros tantos que alimetam os meus sonhos, o meu ego, compartilham os meus momentos, me fazem rir e até chorar. E nesta troca de sentimentos desfrutamos juntos as nossas emoções que é o alimento de nossa vida espiritual. Agradeço a sua visita, a sua companhia. Leiame e por favor......me ensine algo, enriqueza a minha vida, adoro muito aprender. Bem vindos aqueles que sabem conjugar em todos os tempos o verbo "AMAR"

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