terça-feira, 11 de maio de 2010

O mate do Alemão

Amigos, desejo compartilhar uma das historias que aprendi lá no sur,
quando morei um tempo em Pelotas.
Espero me lembrar à integra dos vocablos, dos ditados, que são a
verdadeira graça e riqueza que percorrem àquelas lindas paragens.

O MATE DO ALEMÃO


Foi lá por aquele tempo em que o Uruguai era banhado e o Imperador
andava caçando pinto com boleadeira de sabugo, que chegaram ao Rio
Grande os primeiros colonos. O parador grande era pelos costados de
Porto Alegre, mas em pouco tempo a alemoada foi-se desgarrando, até
dar no que se vê hoje: se esparramaram por tudo quanto foi rincão, se
misturaram lindo com os nossos, e já existe muito guri tirante a índio
- cabelo negro e liso - mas pintando no azul dos olhos o sangue das
Orópias. Por sinal, o primeiro alemão que estourou por estes pagos foi
um lombilheiro, alto como vôo de corvo, magro como solitária, arisco
como galinha-d'água e sério como tamanco. E lombilheiro bueno, le
digo! Saía cada pintura de apêro que só vendo! Mas, se o homem tinha
a idéia clara para fazer lombilhos, andava de mal com a inteligência
no que tocava a falar a nossa língua. Oigale engrolação dos diabos! E
bem que tinha interesse em aprender: perguntava isto, indagava o nome
daquilo, forcejava por repetir certo, forcejava... forcejava... mas
era o mesmo que querer tirar leite de vaca machorra. Pra o causo, o
professor dele era um piasote, filho da viúva Fagundes. E le digo, não
podia estar pior servido, pois se havia guri alarife neste mundo
estava ali! Olho vivo e pata ligeira, sabia logo encontrar o lado de
chegar, em tudo. Mas trabalhador, que era! Desde novito foi fazendo
pela vida - a viúva, com a morte do Januarinho, ficara mais pobre do
que rato de igreja - e no despontar o buço já ajudava lindo nas
despesas da casa. Lá um belo dia deixou o pago, e quando voltou foi
sempre distribuindo plata, arrendou uma boa extensão de campo, e
trazia a mãe sempre retovada de vestido lindo. No fundo, era um
sujeito bom como remédio... Mas - isto não! nunca deixou de ser
trarbuzana!... Pra fechar um salseiro não estava com voltas! Nem pra
levantar uma china na garupa, nos rancherios da Faxina, debulhando
ferro com os retalhados que se sentiam picados! Saia cada berzabum que
nem le conto!... Mas eu sei dizer é que terminou um homem rico e
respeitado. Terminou sendo, o “coronel” Fagundes, tronco dessa
Fagundada toda das bandas do Salso. Mas veja você que já estou me
espichando que nem minhoca em terra lavrada. Voltemos ao causo do
alemão... Como eu dizia o Neco - naquele tempo nem se pensava que
ainda ia ser um dia o “coronel” Fagundes - era o ordenança do
estranja. Logo que o lombilheiro chegou a esta vila já começou a se
encher dos cobres - trabalhava mui bem! -, e o Neco tratou de ir se
enfiando como pulga em costura. Foi prestando um servicinho aqui,
outro ali, como quem não quer nada, e daí a uns dias o alemão lhe
empregava de fiche. No começo era entregador de encomendas, limpador
de casa e o mais; mas já depois de um mês era meio capataz do negócio:
com ele é que a freguesia se entendia, pois o alemão não bispava nada
em nossa fala. E o Neco se aproveitava disso, imagine, e muito se
divertia à custa do patrão. Lhe pegava cada trote, na maciota,
caborteiro, que só vendo!... Mas lá um belo dia se saiu mal com uma de
suas brincadeiras; foi despedido, e por pouco que o alemão não lhe
passou o relho. Por sinal que a cousa só veio a furo muito tempo
depois do sucedido, quando o lombilheiro começou a entender bem a
nossa língua, e descobriu que tudo não passara de artes do guri. Eu le
conto... Notando que a gauchada e todo o pessoal da vila costumava
tomar uma certa bebida por um canudinho de metal, numa cuia, o alemão
ficou curioso e foi logo pedir explicações ao ordenança. - Ma-te! -
respondeu o Neco, separando bem as sílabas pra o ruivo entender. - Ma-
te ou chi-ma-rrão. Isto aqui é a cuia... isto a bomba... isto a
erva... - O cuia, o pompa, o errfa... - repetia, interessado, o
lombilheiro. E lá seguiam as explicações, arrastadas como muchacho e
repetidas como sermões de padre. Pra finalizar, disse o moleque: - ...
e quando a gente não quer mais, é só dizer “mais quente!”. Entendeu? -
Iá! Iá! - Repita, então. - Mais quente... mais quente... mais
quente... - Muito bem! - o guri mostrava os dentes, já gozando as
conseqüências daquilo tudo, e rematava: - Está pronto, agora, pra
experimentar um chimarrão! No domingo seguinte, o lemão foi visitar a
um dos moradores da vila, o bolicheiro Souza, seu melhor freguês e
revendedor prá peonada das estâncias vizinhas. Apresentações da mulher
e filharada, embrulho de palavras, risadas sem que nem pra que, todos
procurando resolver da melhor maneira possível aquele problema de
“conversar” com o alemão. E lá ficou a família na sala, sem saber o
que fazer. Foi quando, para descanso de todos, e especial alegria da
visita, surgiu uma criada com o mate. Chegava o esperado momento do
ruivo experimentar um amargo! Entusiasmado, o alemão levou a bomba aos
lábios, foi chupando despacito, provando, tomando gosto e... gostou!
Lá veio mais uma cuia, outra, mais outra, e quando o ruivo chegava
pela décima resolveu parar. Atenciosamente, virou-se para a criada e
falou: - Mais quente... A criada não esperou um instante: logo pegou
da chaleira e retirou-se da sala. Mas eis que, pra espanto do alemão,
daí a pouco voltava, alcançando-lhe novamente a cuia do amargo. “Deve
ser um costume da terra tomar mate duas vezes” - pensou o alemão, na
língua dele. E, sorridente, resolveu seguir o tal costume. Mas uns
dois mates, e novamente ele se curvava, respeitoso, e agradecia: -
Mais quente!... Foi um espanto geral. O dono da casa sorriu, sem
jeito, e procurou contornar aquela situação embaraçosa mostrando ao
visitante umas esporas prateadas que enfeitavam a sala, relíquia da
família. E ficou sorrindo por fora... pois lá por dentro de roí de
vontade de mandar o alemão tomar mate mais quente na terra dele.
Enquanto isso, chaleira na mão, a empregada se retirava, estabanada,
da varanda. “Veja só que alemão sem-vergonha! - pensava. - Vem tomar
mate na casa dos outros, e achando sempre ruim, sempre frio, e mais
quente e mais quente!... Espera, que eu te dou “Mais Quente!”.
Passados minutos, retornava a chinoca, oferecendo um novo mate à
visita. O alemão olhou a cuia, olhou a criada, olhou o dono da casa,
tornou a olhar para a cuia, e, sem entender muito daquilo, resolveu
tomar o último chimarrão. Mas, mal tocou os lábios na bomba, e já
saltava do banco, urrando de dor, olhos saltando das órbitas. E
gritando e chingando, numa falatéia que ninguém entendia, envolveu a
empregada com um olhar transbordante de ódio: - Prassileirro purra! -
gritou. - Mais quente! MA-IS QUENTE, oufiu? Enquanto o bolicheiro
olhava espantado aquela cena, e a criada saía correndo da varanda, o
alemão batia a porta da frente com estrondo. E lá se foi pela rua
afora, gritando sempre. Nunca mais apareceu na casa do amigo... e
nunca mais tomou um chimarrão...

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Alguns me acham diferente, tal vez porque não frequento igrejas, me comunico direto com Deus. Outros afirmam que tenho muita beleza, interna claro. Baixo colesterol, alta testosterona, pressão normal, coração a mil, sempre pronto para amar, dosse altas de carinho, uma alma receptiva e nobres sentimentos.Que beleza!!! E vocês ainda querem que eu seja bonito? Mas que covardia. Sou pelo menos "interessante" Como broche de ouro, a minha mania de fazer amigos, com pessoas simples, assim como você e outros tantos que alimetam os meus sonhos, o meu ego, compartilham os meus momentos, me fazem rir e até chorar. E nesta troca de sentimentos desfrutamos juntos as nossas emoções que é o alimento de nossa vida espiritual. Agradeço a sua visita, a sua companhia. Leiame e por favor......me ensine algo, enriqueza a minha vida, adoro muito aprender. Bem vindos aqueles que sabem conjugar em todos os tempos o verbo "AMAR"

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