Uma viagem, só de ida...

Era uma corrida desaforada, uma verdadeira competição.
Aqueles espermatozóides queriam chegar nalgum lugar.
Um deles, entre dois bilhões foi o melhor, chegou primeiro e assentou a sua base.
Tudo estava começando agora, uma nova vida se iniciando num zigoto.

Então, depois dessa fortuna, dessa sorte de poder ter sido gerado, a vida aconteceu e eu nasci.
Aos trancos e barrancos, nas alegrias e tristezas, junto ao bem e ao mal, tudo passou bem rapidamente.

Este ser, que chamaremos no momento de Enriqueto, de pronto se encontra na estrada com um veículo na direção contraria em alta velocidade.
Azar? Destino? Tempo esgotado? Final da linha?

Já em outra dimensão, ele acorda frente a um portal majestoso e escuta uma voz vinda que nem do além:
-É a sua vez!!!
Ele entra e se depara com alguém já muito conhecido, vestes e barba branca.
-Olá, a quem devo o prazer?
O ser estranho, com cara de eterno fica em silêncio.
-O senhor deve ser São Pedro, ou estou equivocado?
O sujeito acena positivamente com a cabeça.
-Bem, já que estamos a sós, gostaria de ser mais íntimo, posso lhe chamar de Pedrão?
O sujeito acena novamente
-A que devo essa honra desta entrevista? Já deve ser tarde e devo ir para casa.
Deixa ver o meu relógio, NOSSA!!! Cadê? Me roubaram??!!
-Por acaso estas enxergando o teu braço?
-Eita, também não, será que o roubaram?
-Onde estamos não precisaras dele nem do teu corpo.
-Quer dizer que estou no Céu?
-Só na portaria, serás julgado e teu destino será decidido.
-Mas esse julgamento demorará muito, que nem lá na terra?
-Não tenhas pressa, aqui o tempo não conta, tudo é eterno.
-Eterno enquanto dure?
-Não, simplesmente eterno.
-Tenho que contar tudo que fiz na minha vida?
-Não é necessário, está tudo aqui no Livro Santo.
-Mas, vocês estão informatizados já?
Posso apelar para o STF?
-Não.
-Olha Pedrão, caso vc não saiba, eu cuidei e amei muito minha família, meus amigos do boteco.
-Estou ciente. Leste bastante a Bíblia Sagrada?
-Só lembro que tinha capa azul.
Agora me diz uma coisa, já que tens o poder, poderia pedir um favor?
-Depende.
-É que tem uns cachorros loucos por lá atormentando os meus amigos do boteco e no balaio, não daria para dar um jeito neles?
-Que tipo de jeito?
-Não sei, um raio cair na cabeça deles, ou um tsunami invadir a suas casas.
-Aceitarias isso para tua família também?
-Não claro que não, só para eles.
-Te consideras melhor do que eles, nunca pecaste?
-Oh Pedrão, pecados não faltaram, mas depois me arrependi.
-Inclusive quando aprontaste com a tua priminha Isabel?
-Bem, eu era um menino, a culpa não foi só minha e foi só uma vez.
-E te arrependeste?
-Olha, a bem da verdade, ainda não. Mas estou tentando.
Agora, quando é que sai a minha sentença?
-Tens pressa?
-Mais ou menos, sabe cumequié né?
-Já disse, temos a eternidade toda para decidir.
-Pedrão já que estou por aqui, me explica, por que fizeram a mulher tão imperfeita?
-Como assim?
-É, elas sofrem com a TPM, sofrem para terem filhos, os homens não as compreendem e a arquitetura não é perfeita.
-Por que vc acha?
-Tem o playground perto da expedição, isso é um problema.
-Isso não é comigo, não fui o arquiteto na época.
-Mesma coisa que lá na terra, só desculpas.
Empurrar com a barriga e por a culpa nos outros.
Pedrão, já que estamos no bate papo, e quem sabe o próximo encontro seja daqui a um milhão de anos, gostaria de pedir mais uma coisa.
-Fala Enriqueto.
-Você que tem a ficha de todo mundo, e pelo visto és tu que chamas as pessoas para virem aqui, olha pega todas as fichas dos meus amigos botequeiros e dos seus familiares e joga lá embaixo, beeeeeem no fim da última gaveta. Pode ser?
-Verei o que posso fazer.
-Obrigado Pedrão, você é um santo.
-Eu sei disso.
Quem é o próximo?